quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Yes . Fragile . 1972


“O prog mudou minha vida”, assim me disse uma amiga em uma elogiosa e animada discussão sobre o rock progressivo setentista. Apesar da banda em pauta ser a aclamada Jethro Tull, imagino que não serei crucificado se estender os elogios tecidos aos seus também míticos compatriotas, súditos da Coroa Britânica. O Yes, assim como outros contemporâneos do prog, não mudou apenas a vida de minha amiga. De fato, não seria exagero colocá-lo como divisor de águas dentro da história geral do rock.

Fragile, lançado em 1972, assim como Close To The Edge (1972), foi agraciado por um Yes até hoje considerado em sua melhor formação dentre inúmeras outras. Com Jon Anderson (vocais), Chris Squire (baixo e vocal), Rick Wakeman (teclados), Bill Bruford (bateria) e Steve Howe (guitarra e vocal), a banda nos apresenta um álbum onde o individual e o todo se destacam e complementam com maestria. Para ser mais claro, das 9 faixas que constituem Fragile, 5 são dedicadas ao desempenho individual dos músicos, e o restante é composto pela cooperação de toda a banda.

Por um momento, atentemos para o aparente conflito entre os caracteres antagônicos do indivíduo e do todo, que ainda serve de tema para acaloradas discussões sobre música - aliás, discussões essas sem sentido por motivos apresentados logo adiante. Assumindo as formas de, respectivamente, virtuosismo/técnica e musicalidade, o indivíduo e o todo muitas vezes são comparados a água e óleo, imiscíveis, quando, como nos mostrou o Yes em Fragile (e, diga-se de passagem, já faz alguns anos), estes são duas das ferramentas necessárias à boa composição e ampla abertura dos horizontes musicais. Admitindo a importância da musicalidade como inquestionável, faço um comentário sobre técnica a fim de logo acabar com esse devaneio: digamos que técnica seja como comida, como defende toda cozinheira de mão cheia: “melhor sobrar do que faltar!”. Em outras palavras, acho difícil dizer qual a situação mais frustrante: uma virtuose musical sem a humanidade da arte, ou uma bela música que não pode ser tocada pela falta de técnica de seus idealizadores.

Concordo com os impacientes, falávamos de Fragile... hum... Yes?...ah sim sim!...ok, vamos às músicas!

Roundabout começa com uma solitária nota em fade in, culminando com um harmônico de violão, e uma intro sugerindo o envolvente ritmo flamengo. Segue-se então um envolvente e até dançante groove de Squire, acompanhado por Bruford. Boatos sugerem que Roundabout, com os inúmeros timbres de Wakeman, vocais agudos de Anderson, as linhas rítmicas jazzísticas de Bruford, o timbre agudo do baixo Rickenbacker de Squire, e o arsenal de instrumentos de corda de Howe, representa uma síntese do estilo que norteou o prog rock nos anos seguintes. Admito que figuro como “descobridor” recente do Yes, mas não negaria meu apoio à essa tese. Afinal, não é a toa que Roundabout virou o hit do álbum, e hino para os fãs...

A segunda faixa talvez seja de fácil identificação para os aficionados por música erudita. Cans and Brahms nos mostra as viagens de Wakeman, seu piano elétrico e seu órgão, com base no terceiro movimento da Quarta Sinfonia em Mi menor, do erudito alemão Johannes Brahms. Trata-se de um comentário, digamos, de 1:42 minutos de duração, inaugurando as idéias pessoais contidas no disco.

A seguir, temos We Have Heaven como contribuição pessoal de Anderson para o álbum. Com a estrutura baseada no trabalho vocal, esta animada canção muito me remete a crianças brincando de roda alegremente em um verdejante gramado. Imagino que tal imagem seja resultado do efeito entorpecente que um bom prog causa. Se assim o for, não tenho nada contra...

Um fechar de porta finalizando a faixa anterior, o trotar de um cavalo, ventos gélidos anunciando a tormenta que se avizinha, raios e trovões!!!... Ok, ok, não cheguei a sentir frio com o som do vento, mas, ao menos, é o que sugere a introdução de South Side Of The Sky. A guitarra em primeiro plano, complementada pela dobradinha rítmica de Squire e Bruford, os comentários pertinentes de Howe aqui e acolá, as belíssimas passagens de Wakeman ao piano e o trabalho vocal de Anderson fazem da música uma aspirante a melhor de Fragile, ainda que a candidatura possa sofrer oposição dos defensores de Runabout. Saia justa meus caros leitores, situação difícil. Felizmente, estamos falando de Yes. Nada mais justo e seguro que considerar vencedoras ambas as músicas beligerantes, afinal, a lenda diz que o confronto de clássicos resulta numa batalha de 1000 dias... desculpem-me caras...acho que o prog efect esta ficando mais forte...

Five Per Cent For Nothing resulta de uma idéia de Bruford, e tem a repetitiva, ainda que intricada levada de batera em primeiro plano. Dura cerca de 35 segundos, e de certa forma introduz a faixa seguinte, Long Distance Runabout, que principia com uma levada um tanto quanto jazzística de Howe, seguida pelo criativo groove de praxe, desenvolvido por Squire e Bruford. Diria que os acordes em colcheia do piano, os comentários da guitarra, a caixa acentuando a 5ª colcheia na peculiar levada de bateria, e a bela melodia de Anderson fazem de Long Distance Runaround uma canção notável. A bela passagem de Howe no final da faixa é quase que imperceptivelmente emendada à música seguinte, The Fish (Schindleria Praematurus). Esta aqui se trata da contribuição de Squire, sendo constituída de várias linhas de baixo, grandes doses de efeitos, bateria e alguns trabalhos vocais no último minuto da faixa, finalizando assim, o bloco de músicas emendadas.

Com acordes de violão Mood For A Day, principia-se como mais uma música com intro “violonesca”. Contudo, atentando ao seu desenvolvimento, notamos que se trata da contribuição de Howe para as faixas individuais do disco. De rara beleza musical e interpretativa, Mood For A Day nos brinda com um dos momentos mais belos e até mesmo singelos de Fragile. Certamente a mais relevante das contribuições do indivíduo e prol do álbum.

Fechando o álbum de maneira não menos que áurea, Heart Of The Sunrise tem em sua intro a passagem mais pesada dentre as 9 músicas do disco. A dobradinha Squire/Bruford que se segue tem como fundo uma tensão crescente imprimida por Wakemam e ameaças da guitarra de Howe, desaguando novamente no pesado tema introdutório. Linhas de guitarra e voz dão continuidade à faixa, acompanhadas posteriormente por bateria, baixo e acordes sugestivos de teclado. Destaque nesta passagem à capacidade interpretativa de Anderson e Bruford. O desenvolvimento de um belo tema ditado por Wakeman posteriormente, a retomada das linhas de voz, dessa vez mais vigorosas, e novamente o motivo da intro, compõe os últimos minutos da faixa. Um abrir de portas nos lança novamente a temática de We Have Heaven que parece silenciar á distancia, com um fade out...Oh droga!...a brincadeira de roda terminou...

O que faz de Fragile um álbum clássico? Seriam simplesmente as excelentes composições? Talvez o fato do Yes estar na sua considerada melhor formação? Seria o ano de seu lançamento, que coincidiu com o auge do movimento progressivo e de um contagiante espírito prog que acometeu os membros do Yes assim como do Jetrho Tull, Emerson Lake & Palmer entre outros? Quem sabe, a pura e simples experiência de ouvir o disco e deixar-nos levar já nos leve a essa conclusão... Ou por acaso seriam todos esses elementos, unidos, complementando-se, tornando-se cada vez mais coesos e partes de um todo que lançaria o Yes para o rol dos eternos? Certamente é mais fácil enumerar outras razões a dar uma resposta definitiva à questão. De qualquer forma, SIM (ou seria YES?... meu Deus...), ao ouvir Fragile, tenha certeza de que está diante de um clássico...


Resenha originalmente publicada no blog From Here to Eternity em fevereiro de 2008.

Nenhum comentário: