Dirigir-se ao respeitável público através do discurso publicitário requer muito cuidado. Isso não é nenhuma novidade: a zelar, há um universo simbólico que respalda a marca do anunciante, reputações, e a imagem da marca e produto no imaginário do consumidor. Entre tantos elementos a temível variável – também volúvel e volátil - capaz de condenar ou condecorar um anúncio e/ou anunciante: a opinião pública, surgida dos pontos de vista pelos quais passa a mensagem veiculada, ou simplesmente, a interpretação do público.
O presente texto pretende discutir brevemente as reações interpretativas do público consumidor a contextos publicitários colocados aqui em extremos de criatividade: do monótono ao “criativo demais”. Os exemplos foram retirados da Revista Língua Portuguesa de 23.09.2009 e do jornal O Estado de S. Paulo de 30.03.2009, respectivamente. Obviamente não se intenta esgotar o assunto, mas apenas colocá-lo em pauta, fomentando certa reflexão sobre a atividade publicitária brasileira.
Ao tratar da baixa criatividade, falemos dos comerciais de cerveja, há muito famosos pela falta de distinção entre marcas e homogeneização do discurso. Não obstante seu frequente apelo ao porto seguro da mesmice, não chega a ser sensato simplesmente condenar a suposta – e muitas vezes aparente – falta de criatividade de nossos comerciais. A ressalva não vale apenas devido ao movimento de mudança ocorrido nas publicidades de cerveja, onde, observa-se, a monotonia discursiva e conceitual está sendo combatida. É importante lembrarmos que apesar da tradição criativa da linguagem mercadológica no discurso publicitário, haverá sempre o mercado como elemento regulador do conteúdo a ser veiculado.
É sobre isso que fala Adilson Xavier, presidente da agência publicitária Giovanni+DraftFBC. Segundo ele, "A fórmula básica do anúncio de cerveja oscila entre um clima de malandragem e uma bela bunda", modelo este justificado por padrões comportamentais reconhecidos em pesquisas de mercado. Além disso, a pouca segmentação do mercado de cervejas no Brasil, que só agora apresenta maior variedade, também leva a culpa pela homogeneização do discurso mercadológico cervejeiro. O resultado: identifica-se o produto anunciado pelo universo simbólico tratado na peça, mas não o anunciante. Não é preciso grande esforço, portanto, para constatar as consequências nefastas da mesmice publicitária para o anunciante e para a própria atividade que chega a perder seu propósito, redundando na indiferença do público a seus apelos.
Outro fato interessante sobre o artigo acima reside nas soluções encontradas pelos comunicadores de modo a tirar os anúncios de cerveja do marasmo: o preterimento das mídias tradicionais, como a TV, em favor de mídias locais e mais segmentadas. Segundo a diretora de inteligência de mercado da AmBev, Paula Lindenberg: "Cada vez mais buscamos aplicar recursos em pontos de conexão com o consumidor". A solução parece adequada, contanto que seja considerado um alerta para o conceito da campanha: ainda que a mensagem seja modificada quando transmitida em uma mídia diferente - como prega M. McLuhan em sua célebre frase “O meio é a mensagem”-, a saída para apatia discursiva da publicidade depende mais de um conceito comunicativo inovador do que da mídia empregada. Afinal, passado o impacto da mídia diferenciada, tanto fará onde serão veiculados o “clima de malandragem” e as “belas bundas”: na TV, viral ou em uma intervenção urbana, triunfará a mesmice para o público, subestimado em sua capacidade interpretativa e associativa das mensagens que o atingem.
O outro lado desta breve discussão encontra ilustração no polêmico anúncio desenvolvido pela DM9, uma das grandes agências brasileiras, para a ONG ambientalista WWF. A peça, que ilustra esse post e teve inclusive premiações canceladas, mostra uma centena de aviões mergulhando contra uma Nova York ainda orgulhosa das torres gêmeas do World Trade Center. O texto diz: "O tsunami matou 100 vezes mais pessoas do que o 11 de setembro". Em seguida, a reflexão: "Nosso planeta é poderoso. Respeite e preserve". De cara, aponta-se facilmente a incongruência de campo semântico, já que a ideia seria a comparação da devastação pelo homem e os desastres ambientais que viriam por sua causa, enquanto o anúncio mostra as devastações de um ataque terrorista e de um fenômeno natural independente da ação humana. Mas essa análise torna-se desnecessária ao constatarmos o desrespeito ao luto estadunidense – e, por que não, ocidental - do 11 de setembro, ou mesmo o simples joguete com o macabro nos dois elementos de comparação da peça.
O anúncio é valido para exemplificar o que pode ser tratado como um, digamos, “excesso de criatividade”, que transborda os limites do bom senso. Aparentemente, a necessidade de alto impacto, geralmente imposta pelo contexto da atual propaganda ativista ambiental, foi “mal interpretada” pelo público – ou constituiria má interpretação de um briefing pela agência? - dada a declarada “inexperiência” dos criadores da peça, segundo a própria DM9. Com boas intenções ou não, a mensagem veiculada torna-se chocante pelo motivo errado: sua “ofensividade” descarada, e não o esperado alerta de perigo global iminente.
Tanto em um exemplo quanto em outro, rapidamente tratados acima, podemos colocar a interpretação do público como um de seus estopins. No primeiro caso, uma plausível subestimação do mercado quanto à absorção da mensagem, levaria a produção publicitária nacional à mesmice discursiva. Seria melhor não mexer em time que está ganhando, apesar do prejuízo simbólico sofrido pela marca ao simplesmente se igualar às outras no imaginário do consumidor.
No segundo caso, um mal julgamento da gravidade dos contextos envolvidos no anúncio, a negligência da repugnância popular ainda provocada tanto pelo terror, quanto pelo tsunami, ou mesmo o simplório erro crasso no campo semântico da peça, colocam a interpretação pública contra a “aventura criativa” do anúncio ambiental.
Entre a indiferença e a revolta do público tratadas nos casos acima, perdem os anunciantes, agências, profissionais publicitários e também o consumidor. Mais importante do que achar um culpado nesse dilema criativo que envolve a interpretação da mensagem pelo mercado, é olhar para a publicidade como muito mais que um megafone através do qual falam os anunciantes. Trata-se de poderosa atividade ideológica, construtora e destruidora de imagens públicas, que deve ser tratada ao mesmo tempo com o entusiasmo inovador da criatividade, e a parcimônia da qual merece o manejo de artefatos perigosos. E, no ponto de equilíbrio da criatividade e da moderação, repousa a interpretação dos consumidores.
Bibliografia:
JUNIOR, L. C. P. Os limites da retórica de mercado. In: Revista Língua Portuguesa. 23.09.2009.
RIBEIRO, M. Cerveja busca nova publicidade. In: O Estado de S. Paulo. 30.03.2009.
Texto originalmente produzido para cumprimento da disciplina Redação Publicitária, do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA.USP.